'A Sociedade da Neve' reconstitui acidente aéreo com intensidade
*Crítica publicada durante o Festival do Rio 2023
Em 13 de outubro de 1972, uma tragédia chocou a América do Sul: um avião fretado da Força Aérea Uruguaia, com 45 pessoas a bordo, caiu na Cordilheira dos Andes enquanto partia de Montevidéu para o Chile. Os sobreviventes (menos da metade), no entanto, tiveram de encarar situações extremas enquanto aguardavam um resgate cada vez mais improvável. Adaptada diversas vezes não apenas para o Cinema, mas também para a TV, o “Milagre dos Andes” foi contado pela primeira vez no livro de Pablo Vierci e está programado para engrossar o catálogo da Netflix na primeira semana do ano que vem. Após ser exibido na gala de encerramento do Festival de Veneza, A Sociedade da Neve chega ao Festival do Rio com a pompa de ser o escolhido pela Espanha para tentar uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional. As chances são reais, pois o comandante da empreitada, o catalão J. A. Bayona tem experiência em filmes-catástrofe (dirigiu O Impossível em 2012).
A projeção começa com um time de jovens jogadores de rúgbi se preparando para sua primeira viagem internacional em momentos captados pelo diretor de fotografia Pedro Luque (da série Penny Dreadful) com cores quentes que ressaltam a vivacidade pulsante dos rapazes. Apesar do roteiro fazer questão de apresentar inúmeros personagens, muitos dos quais sabemos que não sobreviverão, há uma parcela considerável que acaba escanteada e nela podemos destacar a presença de Esteban Bigliardi (coincidentemente também visto em A Prática, primeiro filme do dia), figurante de luxo até conseguir suas primeiras falas já no terço final.
Bayona até se sai bem na condução dessas passagens mais íntimas, ilustrando a camaradagem entre os jogadores e despertando a simpatia do público, mas sua maior força aparece quando finalmente chega o momento do acidente. Ciente do fato de que já sabemos o que acontecerá com o avião, o cineasta limita-se a esticar a corda, mantendo o suspense através de uma turbulência insistente. Nessa mesma sequência, o script aproveita para explicar o que motivou a tragédia, creditando a um fenômeno climático a queda da aeronave (“as montanhas sugam qualquer coisa que passe voando por elas”, alguém diz logo depois de oferecer argumentos científicos envolvendo correntes de ar).
Beneficiando-se de ótimos efeitos visuais, o catalão não economiza no espetáculo, mostrando não apenas a parte externa da catástrofe, como também a interna, incluindo planos-detalhe que amplificam as consequências desastrosas do impacto. São imagens rápidas, mas fortes mostrando de forma realista o que aconteceu com os passageiros durante o processo (prepare-se para fraturas expostas e corpos voando). O design de som também faz um belíssimo trabalho ao retratar, principalmente, os segundos que precederam o fatídico evento. E sem surpresa alguma, o compositor Michael Giacchino (Batman), brilha com acordes que são eficientes justamente por não serem utilizados para guiar as emoções do público.
Depois disso, porém, o filme abraça o mesmo modelo narrativo utilizado por tantas obras, com os sobreviventes lutando por suas vidas no clássico embate Homem X Natureza. O diferencial talvez seja o tom desesperançoso que toma conta do segundo ato, refletido pela perda gradual de cores na fotografia até culminar em cenas praticamente cinzas. Há também bons minutos dedicados às atitudes drásticas tomadas pelas vítimas, que apesar de fazerem literalmente qualquer coisa para sobreviverem, não deixam de debater as consequências morais de seus atos.
A longa duração, em contrapartida, é sentida, especialmente graças à dinâmica repetitiva do segundo ato envolvendo viagens esporádicas de um grupo em busca de ajuda. Verdade seja dita, há uma tentativa de driblar a mesmice, com o protagonista sofrendo um ferimento que o obriga a permanecer junto com os outros (nós espectadores estamos acompanhando-o, afinal), jogando luz sobre a reação plural, ao invés da ação de um trio de pessoas. Por outro lado, é difícil justificar a demora dos rapazes em fazer o básico. Repare como absolutamente ninguém pensa em fazer uma fogueira mesmo possuindo um isqueiro, o que impediria uma dezena de mortes. Noutro momento, os personagens são vistos comendo cigarros, apenas para, mais adiante, serem vistos fumando (se mataram a fome, como pode ter sobrado?)
Triste, denso, mas recompensador como experiência, A Sociedade da Neve relata com intensidade uma tragédia que até hoje é lembrada pelos latino-americanos, mas que deverá lutar tanto quanto seus protagonistas para conquistar a tão sonhada indicação ao Oscar.
NOTA 7
Parabéns pela crítica