"A Casa Sombria" capricha no clima de suspense
Um clichê não se torna um clichê por acaso. Trata-se de um recurso que, justamente por ser eficaz, é repetido à exaustão por várias obras diferentes, até tornar-se o lugar-comum que costuma ser referenciado pela palavra francesa supracitada. Os clichês, como ferramentas consagradas, acabam sendo grandes aliados de realizadores preguiçosos, que optam pelo atalho fácil ao invés de construir seu próprio caminho. É exatamente o que acaba derrubando filmes de gênero, especialmente os de terror.
Anualmente, somos bombardeados por dúzias e mais dúzias de produções feitas sob medida para atrair aquele tipo de espectador distraído que não costuma dedicar muito tempo ao Cinema. Presas fáceis para histórias concebidas às pressas que podem até não chamar atenção durante sua trajetória nas telonas, mas que acabam escolhidas a dedo por algum desavisado à procura de entretenimento fácil no mar revolto representado pelos catálogos heterogêneos dos streamings.
Tudo isso para dizer que David Bruckner, cineasta responsável por O Ritual (lançado com exclusividade, veja só, na Netflix) demonstra não ter a menor intenção de cortar qualquer tipo de caminho durante a sinistra experiência oferecida por A Casa Sombria, sua mais nova obra. E se a ideia de contar a história de uma mulher (Rebecca Hall) recém-viuvada tendo de lidar com acontecimentos estranhos dentro de sua própria e enorme casa pode parecer conveniente demais, Bruckner rapidamente nos mostra sua própria ideia de conveniência.
Hábil ao transformar o lar de Beth, uma ampla e solitária casa de madeira de dois andares à beira de um lago, num lugar cujas imensas vidraças despertam a ideia de fragilidade, o realizador não demora a mostrar que algo sempre pode surgir das curvas dos corredores ou até mesmo ao fim destes. Ponto para o ótimo design de produção, que pavimenta um farto caminho para os designers de som se deliciarem com sons de madeira rangendo ou de misteriosas batidas no vidro.
Além disso, Bruckner, avesso ao susto fácil, brinca com a expectativa do espectador ao várias vezes investir em planos que privilegiam espelhos, apenas para jamais utilizá-los como fontes de susto, assim como evita aquelas tradicionais interrupções da trilha sonora que funcionam como deixas para jump-scares envolvendo acordes ensurdecedores. Pois ao invés de apostar nos sustos fáceis, que aqui até surgem esporadicamente, garantindo breves sucessos, Bruckner mergulha de cabeça na atmosfera, provocando no espectador uma quase ininterrupta sensação de insegurança e inquietude, gerando aquele frio na espinha ao sugerir que algo pode acontecer a qualquer momento. E é essa atmosfera que sustenta boa parte do desenvolvimento do roteiro, que passa a depender do envolvimento psicológico por parte do espectador a fim de evitar bocejos com seu desenrolar mais cadenciado do que a média do gênero.
Também fora da curva é a performance carregada de sarcasmo oferecida por Rebecca Hall, encarnando a protagonista como uma mulher forte, independente e determinada o bastante para seguir investigando os mistérios de Owen, seu falecido marido, por mais sombrias que as pistas possam parecer, bastando uma cena-chave para comprovar seu inquestionável talento: ao ouvir o relato de uma desafeta sobre o dia em que quase foi morta por Owen, note como Beth mesmo mantendo uma fisionomia fria, sutilmente exibe um sorriso de canto de boca enquanto solta um cínico “Meu Deus!” sem esboçar qualquer mudança de expressão, num detalhe brilhante e que adiciona ainda mais camadas à já multidimensional protagonista.
Merecendo aplausos por confiar na inteligência do espectador ao abordar temas como depressão, luto e alcoolismo sem precisar escancarar cada passo dado, A Casa Sombria é menos sofisticado ao lidar com a resolução de determinados temas (que não revelarei para evitar spoilers), diluindo o impacto de suas sugestões ao resvalar no fantástico em seu desfecho, a produção resolve abraçar de vez sua pretensão em ser o novo Hereditário, que soube lidar melhor com seus elementos intangíveis, na falta de uma palavra menos reveladora.
No fim, o clímax sente a ausência de um pilar mais firme, escorando-se no trôpego alicerce construído num primeiro ato que, em sua determinação quase cega de ludibriar o espectador, acaba confundindo-o, escondendo informações demais e lhe dando muito efeito para pouca causa.
NOTA 7,5
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